Quando o médico é paciente...

- Uma lição de humildade para os médicos –

Luiz Roberto Londres - Médico e Presidente da Clínica São Vicente


Há dias chegou às nossas mãos um artigo inusitado, recém-publicado numa prestigiada
revista médica americana e escrito pelo renomado professor emérito Joseph Perloff da
Universidade da Califórnia (EUA). Ele é mestre de incontáveis médicos em todo o mundo,
pesquisador reconhecido internacionalmente e autor de livros que se tornaram verdadeiras
bíblias para várias gerações de cardiologistas dentro e fora dos EUA. Neste longo artigo,
sem qualquer conteúdo científico convencional, o Dr. Perloff relata de forma pungente a
sua dolorosa via-crúcis como paciente ao ser submetido, subitamente, a uma cirurgia
cardíaca de ponte de safena, destas que são freqüentemente realizadas todos os dias em
várias partes do mundo.

Com a ajuda e testemunho de sua esposa Marjorie, o casal trouxe ao conhecimento de toda
a classe médica uma série interminável de fatos reais e de vivências pessoais, que se
aproximam das torturas infligidas aos homens e mulheres na Idade Média. O que o levou a
questionar – em determinado momento de seu intenso sofrimento pós-operatório – se
estava valendo a pena passar por tudo aquilo com o objetivo de resolver o problema médico
que o afligiu e o levou à mesa de cirurgia para corrigir uma doença séria. Ou se não teria
sido melhor optar por uma outra forma de tratamento, mesmo que esta não fosse a melhor
ou a ideal para o seu caso.

Como professor de medicina há 50 anos, Joe Perloff faz parte de uma geração de médicos
que vivenciou várias etapas do conhecimento científico e do enorme aprimoramento da
medicina diagnóstica e terapêutica, ao longo de várias décadas. Mas, antes de tudo, Joe
Perfloff foi e continua sendo um médico “da velha guarda”, um médico que continua a
praticar uma medicina humanista, na qual o que se valoriza é o paciente e não a doença.

O fato de ter sido internado no mesmo hospital, onde por muitos anos foi e continua sendo
médico e professor, por ele ter sido tratado por uma excelente cardiologista que foi sua
aluna e residente e por ter sido operado por um proeminente cirurgião cardíaco com quem
trabalhou ao longo dos anos e que era seu amigo, não tornaram as coisas mais fáceis. Pelo
contrário, levaram a situações de constrangimento de ambas as partes. Desde ações de
descuido e até mesmo de negligência médica – que precipitaram conseqüências que seriam
evitáveis – mas que o levaram a grandes sofrimentos e ao prolongamento de sua doença.
Ações que só não tiveram piores conseqüências porque sua cuidadosa esposa tomou para si
várias atitudes que, na verdade, eram da responsabilidade de toda a equipe assistencial.
É claro que a dolorosa e desagradável experiência vivida pelo Dr. Perloff, ao ser travestido
de paciente, não é aquela que nós médicos vemos na grande maioria daqueles que são
submetidos às modernas práticas médicas. A experiência do nosso querido professor teria
sido mais um caso de “esmeraldite” (complicações que só acontecem com os pacientesmédicos).
Mas será mesmo? Ou será que o paciente não médico também não vivencia um
percurso doloroso parecido com o do Dr. Perloff, mas sublima ou releva o sofrimento por
se sentir agradecido ao seu médico por estar vivo, após tão séria doença e tão melindrosa
operação cardíaca? Ou porque o médico – considerado como o seu salvador – merece ser
enaltecido e engrandecido pelo paciente e não se ver transformado num poço de queixas e
lamentos pelo sofrimento que lhe destinou?

A nós médicos cabe uma profunda reflexão sobre o testemunho do colega e mestre, que nos
ensinou a ser melhores profissionais. Mas, que agora, nos dá uma magistral aula de como
não nos portar com nossos pacientes, sejam eles médicos ou não. A medicina
contemporânea se tornou tecnicista como uma exigência da própria sociedade, que é levada
a crer que o melhor cenário diagnóstico e terapêutico é aquele que se fundamenta
principalmente na tecnologia e não na capacidade de raciocínio do médico. E, não há como
negar que o médico de hoje é incomparavelmente melhor tecnicamente que o de ontem ou
o de há dez anos.

Porém, o que também vemos – principalmente naqueles com mais de 30 anos de graduados
– é uma progressiva e desafortunada perda da capacidade de perceber o paciente como um
ser doente do corpo e da alma. Sim, de ambos, pois um não se dissocia do outro.


O simples ato de o paciente dar ao médico o poder de decidir o que fazer com o seu corpo significa uma abdicação da sua própria autonomia, um reconhecimento da sua fraqueza e impotência como indivíduo. Enquanto algumas pessoas lidam com esta situação de forma mais complacente, outras sofrem intensamente no seu psiquismo com a perda da sua suposta invencibilidade.


Alguns médicos do século XXI precisam descer do pedestal imaginário de senhores de um
conhecimento que, com enorme freqüência, está restrito ao das ciências biológicas e,
geralmente, é focado nas ciências químicas e físicas. Eles precisam ouvir atentamente a
história de cada um dos seus pacientes para aprender com cada um deles um pouco mais da
arte da prática médica. Ouvir, ouvir, ouvir; pensar, pensar, pensar e refletir, refletir, refletir,
entendendo que o ouvir não se basta se não houver a interpretação do que se ouve,
incluindo as mensagens não verbalizadas – simbolismos presentes no discurso do paciente
– até mesmo daquilo que ele esconde ou simplesmente não percebe. Para que ele entenda
não só a doença do corpo, mas também a doença da alma, ou seja, a pessoa doente e não,
simplesmente, a doença na pessoa. Sem reduzir a dimensão humana a seus aspectos
biológico, químico ou físico. Isso, não há dúvida, que aparelho algum é capaz de realizar.
Como diz o Dr. Perloff, é difícil resistir aos apelos tecnológicos. Afinal, a tecnologia ajuda
muito o médico. Mas também, o médico não pode se permitir perder a humanidade. E
deve se lembrar que, quando Asclépio – o Deus da Medicina – quis testar o seu poder além
da conta, Zeus o destruiu com um raio para não permitir que as regras da morte fossem
quebradas.

O médico deve continuar lutando contra a morte. Mas, o que o paciente deseja é muito
mais do que a vida. É saber qual e como será o caminho para ele chegar lá. É aí onde o
médico de hoje deve ser melhor, muito melhor do que o de ontem.



Asclépio , na mitologia Grega ou Esculápio, na Romana; é o principal deus da Medicina.

A história diz que a bela Coronis, uma mortal, entregou-se ao deus-sol Apolo, tendo engravidado. Mas casou-se com Ischis, a quem havia sido prometida. Apolo matou Ischis, e sua irmã, Artemisa, matou Coronis. Antes que o corpo de Coronis fosse incinerado, Apolo roubou Asclépio e entregou-o aos cuidados de Quíron. Este foi o responsável pela educação e criação do menino, que aprendeu todos os segredos da arte curativa com plantas medicinais. Quando cresceu, Asclépio tornou-se tão habilidoso, que era capaz de ressucitar os mortos. Preocupado com a despovoação do “além” e a ordem natural das coisas, Zeus, o principal deus do Olimpo, matou Asclépio com um raio, mas em seu reconhecimento, levou-o aos céus e transformou-o em divindade. Sua mulher, Epione, acalmava a dor; suafilha Higéia, simbolizava a prevenção das doenças; outra filha, Panacéia, simbolizava o tratamento das doenças; seu único filho, Telésforo simbolizava a convalescença. Sempre que uma peste ou epidemia assolava uma região, os médicos saiam para matar as cobras, pois acreditavam que estes seres demoníacos eram os causadores das doenças. Estando com a cobra enrolada em seu bastão, Asclépio tem o domínio das doenças, curando seus pacientes. Com o tempo, a serpente no bastão de Asclépio tornou-se o símbolo da Medicina, enquanto que a taça e a serpente de Higéia, passaram a simbolizar a Farmácia.Segundo alguns autores, o grande Hipócrates é o décimo-nono descendente de Asclépio eo vigésimo a partir de Zeus. O avô de Hipócrates, também médico, chamava-se Hipócrates, mas nunca alcançou a fama daquele que tornou-seconhecido como o “pai da medicina”.



Fonte http://www.asclepios.com.br/medico/node/2